Compreendendo a hipersensibilidade e a hipossensibilidade auditiva sob a perspectiva comportamental e educacional
A hiperacusia é definida como uma resposta exacerbada a sons considerados normais para a maioria das pessoas.
Na audiologia clínica, descreve-se como baixa tolerância a sons de intensidade moderada, podendo gerar reações fisiológicas (taquicardia, sudorese, tensão muscular) e comportamentais (tapar os ouvidos, chorar, fugir, gritar).
Em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), essa hipersensibilidade está ligada à disfunção no processamento auditivo central e à dificuldade do cérebro em filtrar estímulos irrelevantes.
Assim, sons cotidianos — como aspirador, descarga, fogos de artifício ou o toque de uma campainha — são percebidos como ameaçadores.
Pesquisas de Khalfa et al. (2004) e Stiegler & Davis (2010) mostram que essa condição envolve hiperatividade da amígdala e falhas na modulação cortical, gerando uma reação emocional intensa diante do som.
O oposto também existe: a hipossensibilidade auditiva
Já a hipossensibilidade auditiva é caracterizada pela diminuição da resposta a sons: a criança pode não reagir quando chamada, parecer “desatenta” ou buscar sons altos repetidamente.
Esse padrão pode levar à busca de estimulação auditiva intensa, como gritar, bater objetos, aproximar-se de fontes de ruído ou reproduzir sons de forma repetitiva.
Do ponto de vista comportamental, a hipossensibilidade está associada a operações motivadoras (Cooper, Heron & Heward, 2020): o som funciona como reforço automático, e a criança repete comportamentos que produzem esse estímulo sensorial.
O olhar da Análise do Comportamento
Na perspectiva da ABA, tanto a hiper quanto a hipossensibilidade não são apenas reações fisiológicas, mas comportamentos respondentes e operantes interligados.
| Tipo de Sensibilidade | Função Comportamental Principal | Reação Típica | Tipo de Controle Ambiental |
| Hiperacusia | Fuga / esquiva de estímulo aversivo | Tapar os ouvidos, evitar locais barulhentos | Reforço negativo (fuga) |
| Hipossensibilidade | Busca de estimulação auditiva | Produzir sons altos, gritar, aproximar-se de ruídos | Reforço positivo (sensorial) |
Impactos no ensino e aprendizagem
As alterações no processamento auditivo interferem diretamente na atenção compartilhada, na compreensão oral e na regulação emocional.
Ambientes ruidosos podem gerar ansiedade, fuga, comportamentos disruptivos e prejuízos na participação escolar.
A criança com hipersensibilidade pode apresentar crises sensoriais; já a criança hipossensível pode ter dificuldades para se engajar em atividades coletivas.
Essas diferenças exigem ajustes ambientais, estratégias de regulação e ensino de habilidades funcionais.
Estratégias de manejo baseadas em evidências
A. Avaliação e identificação precisa:
– Testes de tolerância auditiva e avaliação do processamento auditivo central.
– Registro funcional das situações em que o som é aversivo (antecedente, comportamento, consequência).
B. Intervenções auditivas e comportamentais:
1. Dessensibilização sistemática auditiva: exposição gradual a sons, pareada com reforçadores positivos (Baranek, 2002).
2. Uso de abafadores ou fones com cancelamento ativo de ruído em contextos previsíveis.
3. Intervenção comportamental diferencial: reforçar respostas calmas diante de sons e ensinar sinais funcionais de pausa (“pare”, “baixo”, “silêncio”).
4. Ajuste ambiental escolar: minimizar ruídos e criar zonas de calma.
5. Treino de autorregulação emocional: respiração, cartões visuais de sensações, estratégias High-P para transição auditiva.
C. Educação de professores e colegas:
A escola deve compreender que a hiperacusia não é frescura, é uma resposta neurossensorial real. Promover campanhas de conscientização e rotinas auditivas seguras (ex.: avisar antes de sons altos).
Conclusão
A sensibilidade auditiva é uma das dimensões mais invisíveis e mais impactantes do TEA.
Compreender a hiperacusia e a hipossensibilidade melhora o processo terapêutico e transforma a relação da criança com o som, com a escola e com o mundo.
A escuta sensível deve ser tanto clínica quanto simbólica: escutar o som e escutar o sujeito. Somente assim o cuidado se torna inclusivo.
Referências Teóricas
Baranek, G. T. (2002). Efficacy of sensory and motor interventions for children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 32(5), 397–422.
Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2020). Applied Behavior Analysis (3rd ed.). Pearson.
Khalfa, S., et al. (2004). Increased perception of loudness in autism: central auditory gain model. Physiology & Behavior, 82(5), 801–811.
McGreevy, P., Fry, T., & Cornwall, C. (2021). Essential for Living – A Communication, Behavior, and Functional Skills Curriculum. Patrick McGreevy, Ph.D.
Stiegler, L. N., & Davis, R. (2010). Understanding sound sensitivity in individuals with autism spectrum disorders. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities, 25(2), 67–75.
American Psychiatric Association. (2013). DSM-5: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5th ed.).
Por Dra. Elizabeth Crepaldi – Fonoaudióloga | Especialista em Audiologia e Análise do Comportamento
