Por Elisabeth CREPALDI
Quando o barulho fere — e o silêncio protege
Para muitas famílias, os fogos de artifício representam alegria, celebração e beleza visual.
Mas, para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus familiares, esse mesmo som pode significar dor, pânico e desorganização sensorial.
A audição das pessoas com TEA, frequentemente mais sensível a frequências e intensidades sonoras, transforma o que seria um “barulho comum” em uma experiência aversiva, imprevisível e fisiologicamente estressante.
Sensibilidade auditiva e o cérebro autista
Pesquisas em neurociência e análise do comportamento mostram que o cérebro de pessoas autistas processa estímulos sensoriais de forma diferente.
Segundo Robert Koegel e Lynn Koegel (1995), o sistema sensorial no TEA pode apresentar hiper-responsividade (reação exagerada a sons) ou hipo-responsividade (demora em perceber estímulos), o que afeta diretamente a autorregulação emocional.
A hiperacusia, termo usado para designar o desconforto extremo diante de sons de alta intensidade, é comum em quadros do espectro.
Essas reações envolvem ativação do sistema nervoso simpático (luta ou fuga), descarga adrenérgica rápida e respostas de defesa (tapar os ouvidos, chorar, gritar, fugir).
Em ambientes imprevisíveis — como festas com fogos — a falta de preparo pode gerar crises sensoriais e comportamentos de fuga com risco físico e emocional.
A legislação no Rio de Janeiro e o avanço da conscientização
O Estado e o município do Rio de Janeiro vêm sendo pioneiros na proteção sensorial de pessoas e animais.
A Lei Ordinária nº 5.390/2009 (atualizada em 2022) proíbe a fabricação, comercialização e uso de fogos de artifício com estampido no município.
Outros estados e municípios têm seguido a mesma diretriz, reconhecendo que o direito à celebração não pode ferir o direito ao bem-estar.
A proposta de lei nacional (PL nº 6881/2019) — já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados — busca limitar o ruído máximo de fogos a 70 decibéis, considerando os impactos em pessoas com TEA, idosos, bebês e animais domésticos.
Essas normas estimulam um novo paradigma: a festa inclusiva e compassiva, que concilia celebração e respeito sensorial.
Caminhos clínicos e educativos
Profissionais de saúde, educação e comportamento devem:
- Antecipar eventos (explicar visualmente o que acontecerá, mostrar vídeos curtos);
- Ensinar estratégias de autorregulação (uso de abafadores, fones e técnicas de respiração);
- Trabalhar dessensibilização gradual, quando clinicamente indicada;
- Promover campanhas comunitárias sobre alternativas seguras, como fogos luminosos silenciosos.
Como orientam McGreevy, Fry & Cornwall (2021) no Essential for Living, o suporte deve ser funcional e ecológico: ensinar o essencial para viver com conforto e dignidade nos ambientes reais da vida.
O olhar clínico e humano
Para além das leis, é necessário um olhar afetivo.
Os fogos com barulho excessivo não são apenas um incômodo — são gatilhos de sofrimento sensorial.
Quando uma cidade se mobiliza para limitar ruídos, ela demonstra empatia e entendimento de que inclusão também se escuta.
“Cada vez que escolhemos o silêncio respeitoso em vez do barulho desnecessário, ampliamos o direito de todos estarem presentes.” — Dra. Elizabeth Crepaldi
Referências Teóricas
Koegel, R. L., & Koegel, L. K. (1995). Teaching Children with Autism: Strategies for Initiating Positive Interactions and Improving Learning Opportunities. Brookes Publishing.
McGreevy, P., Fry, T., & Cornwall, C. (2021). Essential for Living – A Communication, Behavior, and Functional Skills Curriculum. Patrick McGreevy, Ph.D.
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5th ed.) – DSM-5.
Brasil. Lei Ordinária nº 5.390/2009, do Município do Rio de Janeiro – Proíbe fabricação, comercialização e uso de fogos de artifício com estampido.
Câmara dos Deputados. (2023). Projeto de Lei nº 6881/2019 – Limita ruído de fogos de artifício a 70 dB.
CNN Brasil. (2023). “CCJ aprova limite para produção e venda de fogos de artifício com estampido.”
Câmara Municipal do Rio de Janeiro. (2022). “Novas regras para uso de fogos de artifício no Rio.”
